domingo, 29 de novembro de 2009

O Negão da Borracharia


* José Pedro, o "Negão", tem um negócio a duas quadras da minha casa. Sua borracharia fica na Rua Blumenau, uma das vias mais importantes de Joinville. Ele é folclórico na cidade, bato papo com ele de vez em quando.

* É tão vizinho que até o Google Maps mostra a o caminho entre meu endereço e o dele, facilmente, como mostra este link

* O Negão Ficou ainda mais conhecido nas eleições municipais 2008. O borracheiro concorreu com o slogan "O Negão não vai deixar furo na Câmara", considerado um dos melhores bordões desse pleito.




Em português, borracharia é o lugar para a gente arrumar pneu. No espanhol, a borracha é logo associada à bebida. José Pedro Furtado, 49 anos, o "Negão da Borracharia", juntou as duas coisas. Sem cerimônia, lá pelas 10 da manhã abre sua primeira lata de Brahma. "Cerveja é a melhor bebida do mundo", diz o Negão, já mostrando o sorriso enorme.


Não que o trabalho fique comprometido. "Levo mais de uma hora pra bebr a latinha. E tomo só duas, de manhã até a noite. A borracharia é meu meu negócio, e eu preciso cuidar dele muito bem", explica Zé, outro de seus apelidos.

Pelo carisma, pelo tipo grandalhão e o ponto na rua Blumenau, onde abriu uma das primeiras borracharias 24 horas de Joinville, há uns 16 anos, o Negão ganhou fama. Gente que convive com ele há anos elogia bom humor. Ele não é de briga. Tem outra característica marcante: Zé tem olho azul. É fácil perceber. Quando fala, ele olha no olho.


Suas historias na cidade - algumas até admitidas por ele - incluem um velho buggy amarelo, que andava barulhento nos anos 90. Geralmente com ele, mulheres diferentes e algumas latas de cerveja. Ares de lenda urbana têm suas fugas toscas da polícia, que não queria ver aquele Buggy nem o negão nem cravados de diamantes.

- Tinha policial que arrumava a caranga comigo, aí dava uma aliavada. Eu era amigo até de um ou outro delegado, na camaradagem. Nunca atropelei ninguém, nunca bati. Mas acho que o povo exagerava sobre cerveja e mulheres - brinca ele.

O Negão não nasceu borracheiro. É o terceiro filho de uma família pobre de nove irmãos, todos vivos. Foi criado num sítio em Lages, Planalto Serrano. Brincava muito de peão e bola de gude. Aprontava horrores. E trabalhava na roça para ajudar no sustento da casa. Passou por funilaria, por uma marcenaria que fabricava grampos de roupa e fez curso de torneiro mecânico. Ralou também numa oficina mecânica.

A vinda para Joinville, em 1976, foi num ônibus dirigido pelo próprio pai. Início difícil, especialmente depois da morte do patriarca. "Minha família se dispersou um pouco sem ele", conta o Negão. Lavador de aro de ônibus, mecânico, funcionário de almoxarifado. Curso quase concluído de magistério, para dar aula de 1a a 4a série

- Você deu aula para criancinhas?
- Tentei e desisti. Tá doido, eram tudo um bando de capetinhas.


Só em 1993, O Zé virou o Negão da Borracharia. Era vendedor de assinaturas de jornal, estava sempre sem grana. Teve a ideia de abrir o serviço 24 horas no Centro. Juntou uns trocados, conseguiu um lugar. Claro que isso exige algumas escolhas. Se é 24 horas, ele mal pode sair do ponto.

Tá aí a boa explicação para tomar uma gelada no trabalho.

- Se não posso ir até a cerveja, ela vem até mim - brinca ele.

Quase trancafiado no próprio negócio, é o Negão quem, por exemplo, faz o almoço. Pilota o fogão e se vira bem com massas, carreteiro e feijoada. Quando pode, uma costela de chão. Como fez no domingo, 22 de fevereiro, dia de seu 49º aniversário. Amigos e até figuras políticas apareceram.

Fruto da recente vida pública do Negão. Seus 347 votos para vereador nas eleições 2008 não foram contabilizados porque houve problemas na desfiliação de um partido. Mas seu slogan ficou. Em 2012 ele concorre de novo, e com o mesmo trocadilho no slogan: "O negão não vai deixar furo na Câmara".

Quando consegue alguém de confiança para cuidar do negócio, o Zé dá suas voltas. Visita botecos. E leva também a mulher, Garlinda dos Santos, para dançar. É um remember de como se conheceram. Com bombacha improvisada num baile gauchesco - usou botas de borracha e plástico - ele tirou a "baixinha" para dançar. A diferença de 25 centímetros na altura entre os dois não foi obstáculo, e os dois vivem juntos há quatro anos.

A mulher é dona do coração, e cuida também da grana apertada que eles conseguem juntar.

- Entrego tudo na mão dela e ela me diz quando não dá mais - conta o negão

É ela também a responsável por coisas que o Negão não faz questão de saber fazer: mexer no computador e mandar mensagem de celular. "Telefone é pra falar", simplifica ele.

Bom humor, e saúde também. O último check up mostrou que coração e pulmões vão muito bem, obrigado.

- E o teu fígado, Negão?
- Fiz exame também. Tá zero bala.

2 comentários:

  1. Teus textos são sempre muito bons. Bem leves e, quase sempre, divertidos. Esse não é diferente, e gosto dessa ideia de garimpar boas histórias nos lugares mais inusitados.
    É um caso em que o texto compensa a ausência de fotos, que poderiam ser mais numerosas. Mas, claro, nem sempre dá pra se fazer todas as fotos que a gente quer. Independentemetne disso, acho que valia usar também o google maps pra mostrar a localização exata da borracharia do Negão.
    E ele não foi notícia na época a eleição? Nenhum jornal online publicou matéria? ou blog da época? Valia uma busca para criar hiperlinks...
    beijo

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  2. Texto delicioso... a gente pega meio sem muita pretensão, e segue feliz até o fim!!!
    Ficou ótimo!
    E também obrigada pela visita... tá add para seguir!!!

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